Dia Nacional da Visibilidade Lésbica: História, Saúde, Políticas Públicas e o Desafio da Interseccionalidade
- Dra. Jaqueline Souza
- 28 de ago. de 2024
- 4 min de leitura
O Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, celebrado em 29 de agosto, é uma data emblemática para o movimento LGBTQIA+ no Brasil. Esta data simboliza a luta contínua da comunidade lésbica por reconhecimento, igualdade e direitos, em um país onde a diversidade ainda enfrenta muitos desafios. Neste artigo, exploramos a origem dessa data, o contexto histórico das mulheres lésbicas no Brasil, as dificuldades que ainda persistem, especialmente no campo da saúde e das políticas públicas, e a importância da interseccionalidade na construção de um movimento inclusivo.

A Origem do Dia Nacional da Visibilidade Lésbica
O Dia Nacional da Visibilidade Lésbica foi instituído em 1996 durante o 1º Seminário Nacional de Lésbicas (Senale), realizado no Rio de Janeiro. Este evento marcou um ponto de virada na história do movimento lésbico no Brasil, reunindo ativistas de todo o país para discutir as demandas específicas das mulheres lésbicas, que até então eram frequentemente invisibilizadas dentro do movimento feminista e do movimento LGBT mais amplo. A escolha do dia 29 de agosto foi uma homenagem a esse seminário pioneiro, que trouxe à tona a importância da visibilidade como uma ferramenta crucial na luta pelos direitos das mulheres lésbicas.
Contexto Histórico das Mulheres Lésbicas no Brasil
A história das mulheres lésbicas no Brasil é marcada por uma longa trajetória de invisibilidade e repressão. Durante o período colonial, as práticas homoafetivas eram severamente reprimidas, especialmente sob a influência da Inquisição Portuguesa. Embora existam registros de perseguição a práticas homoafetivas, os casos envolvendo mulheres eram raros e frequentemente não documentados de forma detalhada, refletindo o machismo e o patriarcado que dominavam a sociedade.
Foi apenas no final do século XX que as mulheres lésbicas começaram a se organizar de forma mais expressiva. Na década de 1970, com o surgimento de grupos como o Somos – Grupo de Afirmação Homossexual, a comunidade lésbica começou a articular suas demandas de forma mais visível, embora muitas vezes ainda enfrentassem invisibilidade dentro do próprio movimento LGBT. A década de 1980 viu o surgimento do Grupo Lésbico-Feminista (LF) e a realização da primeira manifestação pública de lésbicas, organizada pelo Galf – Grupo Ação Lésbica Feminista em São Paulo. Esses eventos foram marcos importantes na luta pela visibilidade e pelos direitos das mulheres lésbicas no Brasil.

Desafios Atuais: Saúde e Políticas Públicas
Apesar dos avanços conquistados ao longo das décadas, a comunidade lésbica ainda enfrenta uma série de desafios significativos, especialmente no campo da saúde e das políticas públicas. A lesbofobia, que combina elementos de homofobia e misoginia, continua a ser uma barreira significativa para a plena inclusão e igualdade das mulheres lésbicas na sociedade.
Saúde das Mulheres Lésbicas
Há dificuldades específicas no acesso a serviços de saúde adequados. Muitos profissionais de saúde não são treinados para lidar com as necessidades da comunidade lésbica, o que pode levar à negligência e ao tratamento inadequado. A falta de campanhas de saúde pública que incluam explicitamente as mulheres lésbicas contribui para a perpetuação de mitos e desinformação sobre sua saúde, incluindo a ideia errônea de que estão menos sujeitas a certos riscos, como as infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). Além disso, a ausência de um ambiente acolhedor e respeitoso nos serviços de saúde faz com que muitas mulheres lésbicas evitem procurar atendimento, o que pode resultar em diagnósticos tardios e agravamento de condições de saúde.
Nos últimos anos, algumas iniciativas têm buscado melhorar essa situação. Programas de capacitação para profissionais de saúde e a criação de guias e protocolos específicos para o atendimento de mulheres lésbicas são passos importantes para combater a discriminação e melhorar a qualidade do atendimento.
Políticas Públicas Voltadas para Mulheres Lésbicas
As políticas públicas voltadas para as mulheres lésbicas no Brasil ainda são insuficientes. Um dos maiores desafios é a falta de dados específicos sobre essa população, o que dificulta a criação de políticas eficazes. Mesmo quando as políticas incluem demandas das mulheres lésbicas, a implementação dessas políticas muitas vezes é ineficaz, devido à falta de recursos, resistência política e preconceito institucional.
A primeira Conferência Nacional LGBT, realizada em 2008, foi um avanço significativo, pois incluiu as questões das mulheres lésbicas nas pautas das políticas públicas. No entanto, a implementação dessas políticas ainda enfrenta muitos desafios, especialmente no que diz respeito à violência e discriminação contra mulheres lésbicas, particularmente aquelas que também enfrentam outras formas de opressão, como racismo e pobreza.
A Importância da Interseccionalidade
A interseccionalidade é um conceito fundamental para entender as múltiplas camadas de opressão que afetam as mulheres lésbicas. A interseccionalidade considera como diferentes identidades sociais – como gênero, raça, classe e orientação sexual – se sobrepõem e criam experiências únicas de discriminação e privilégio. No Brasil, as mulheres lésbicas negras, por exemplo, enfrentam uma dupla marginalização, tanto pela sua orientação sexual quanto pela sua raça. Essa intersecção de opressões torna suas experiências de discriminação e violência ainda mais intensas.
O movimento lésbico no Brasil tem reconhecido cada vez mais a importância da interseccionalidade, destacando a necessidade de incluir as vozes das mulheres lésbicas negras, pobres e periféricas nas discussões e na formulação de políticas. Coletivos como o CANDACES desempenham um papel crucial na luta pela visibilidade dessas mulheres, promovendo debates sobre as intersecções entre raça e orientação sexual e lutando por um movimento mais inclusivo e representativo.
Para concluir!
O Dia Nacional da Visibilidade Lésbica é uma data para celebrar as conquistas, mas também para refletir sobre os desafios que ainda precisam ser superados. A saúde e as políticas públicas voltadas para as mulheres lésbicas precisam de avanços significativos para garantir que todas possam viver com dignidade e respeito. A interseccionalidade deve ser o norteador dessas discussões, garantindo que as políticas sejam inclusivas e eficazes para todas as mulheres lésbicas, independentemente de sua raça, classe ou orientação sexual.
Deixo aqui uma indicação do vídeo de Rita Von Hunt que traz um recorte importantíssimo, sobre o Ferro´s Bar e a grande ativista Rosely Roth
Forte Abraço!
Referências
Ministério da Saúde - Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais: saude.gov.br
ANPUH - Associação Nacional de História: Discussões sobre a história do movimento LGBT no Brasil e o papel das lésbicas na luta por direitos.
UNAIDS - Relatório sobre a Saúde de Mulheres Lésbicas e Bissexuais no Brasil: unaids.org.br
Devassos no Paraíso, de João Silvério Trevisan: Livro fundamental para entender a história da homossexualidade no Brasil.
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